domingo, 11 de março de 2012

O mundo do jogo: o ambiente de aprendizagem


A relação de interdependência entre o jogador e o jogo no conflito entre real e imaginário

A pertinente metáfora do jogo, a princípio idealizada pelo professor João Batista Freire para explicá-lo, aliada à hipótese levantada por Johan Huizinga em seu instigante livro "Homo Ludens", diz que o jogador é absorvido pelo jogo quando está dentro dele. Isso servirá de ponto de partida e apoio para minhas reflexões nesta coluna.
Ao se jogar um jogo, seja ele qual for, pode-se dizer que há uma espécie de suspensão momentânea da realidade. E isso se dá quando o jogador, devido à alta intensidade de concentração despendida à superação do desafio, motiva-se de tal modo que não se sente mais regido pelo "deus" do tempo real, o poderoso Chronos, e assim permite que Kairós, o "deus" do tempo oportuno - irreversível - passe a controlá-lo.
O real - objetivo - cede espaço ao simbólico - subjetivo. Porém, quero de antemão frisar que essa suspensão é momentânea, pois quando quiser o jogador pára o jogo e o real volta a tomá-lo, além do fato de que o jogo tem sua ancoragem na realidade, o que faz dele um fenômeno mais subversivo do que alienador. 
Essa característica dá ao jogador certa sensação de liberdade, de satisfação de desejos interiores, de externalização de seu entendimento sobre os acontecimentos de seu entorno, muitas vezes impossíveis de serem concretizados no mundo real, caracterizando o que se chama lúdico: liberdade de expressão.
Almejados sentimentos ganham forma nos jogos, à medida que o jogador tem o poder sobre o real. Ele pode reviver o sentimento de poder, mesmo tendo já superado a fase pré-operatória, em que, em decorrência de seu desenvolvimento, tinha de deformar o real para assimilá-lo.
Com seu jogo simbólico, a criança, além de apreender e aprender o mundo, inconscientemente brincava de "Deus", pois, ao passo de seu egocentrismo, deformava o mundo para entendê-lo. Ou seja, ela jogava com o real e o fazia adaptar-se a ela. Porém, nesse jogo a criança exercia um poder relativo sobre o real, pois é esse mesmo real que delimita e determina o que e como deve ser simbolizado. Ao mesmo tempo em que a criança joga com o real, ela é jogada por ele, em meio ao continuo jogo de ação e significado.
Logo, o mundo do jogo, mundo de transformação, atribui esse poder aos seus jogadores. Seria como em Fantasia, mundo fantástico descrito por Michael Ende, no livro "História sem fim", no qual Bastian viveu a história de sua vida, com Atreiu, Artax e Fuchur, salvando a Imperatriz Criança e, por conseguinte, o reino dos sonhos humanos, do próprio vazio humano. Em Fantasia não havia fronteiras físicas, elas eram delimitadas pela imaginação, que, de sua parte, era delimitada pelo real, tanto é que, depois de quase destruído pelo Nada, esse mundo fantástico pôde ser reconstruído, e nessa reconstrução pôde ser ampliado, renovado, reformulado, re-significado... pelos desejos de ser e ter de Bastian, um menino humano - real -, que vivia num mundo real e acaba por encontrar em Fantasia as soluções para seus problemas no mundo real.
No mundo do jogo se tem a oportunidade de extravasar aquilo (conhecimentos - os possíveis) que não se tem certeza de que é possível acontecer e fazer, e nesse ínterim, por exemplo, é que as jogadas, até antes nunca vistas, se realizam, como num passe de mágica, dando azo à arte; valorizando-se assim, o estético em detrimento ao funcional e pragmático.
Ainda é nesse mundo que se tem a permissão para repetir quantas vezes o jogador quiser as ações aprendidas nas mais variadas situações de jogo. Nas palavras do filósofo Hans-Georg Gadamer: "Isso aparece também no espontâneo impulso à repetição, que surge no jogador e no renovar-se permanente do jogo, que cunha sua forma".
Desse modo, repetem-se as ações (não movimentos) pelo simples prazer de a cada repetição, tornar a sentir o mesmo prazer dantes sentido, e, conseqüentemente, aperfeiçoando o aprendido.
Revive-se, então, pelo jogo o prazer possibilitado pelas mais recentes conquistas (conhecimentos) e partir delas se prepara para aquisição de novos conhecimentos, como já destacou o professor João Batista Freire em seu cabal livro "O jogo: entre o riso e o choro".
Sendo assim, ao se conceber o jogo como um fenômeno sistêmico e complexo, posso pensar na existência de um ambiente particular para o jogo acontecer, que denomino o mundo do jogo, o qual me permiti compreender as relações complexas de aprendizagem, ou melhor, as teias que se estabelecem na construção e aquisição de conhecimentos significativos pelo ato de jogar, à medida que o jogador, ao se permitir jogar plenamente, entra em estado de jogo.
Enfim, no jogo processo e produto coexistem, o jogador joga o jogo e é jogado por ele numa relação interdependente e complexa. O jogador traz para o jogo seus desejos e vontades advindas e construídas ao longo de sua história de vida, concomitante ao ambiente que se relaciona. Já o jogo reúne (traz) os desejos e vontades de outros que jogaram e lá os deixaram ao serem absorvidos, para que outros sejam jogados pelos desejos da humanitude, ao mesmo tempo em que a transformam, ou seja, ressignificam.
Portanto, essa é a descrição e explicação do cerne de um ambiente de aprendizagem, cuja justificativa teórica vem a sustentar qualquer metodologia que ouse ensinar (e/ou treinar) a jogar qualquer jogo jogando. Como as crianças, que envoltas em uma pedagogia da rua, aprendem (ou aprendiam) a jogar futebol de modo tão peculiar, impregnado de arte, de desejo de superação, de prazer, beleza e alegria.
E como diz o professor João Freire: "Só quem se permite ser possuído pelo Senhor do Jogo pode saber do prazer que isso dá".

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Ambientes de aprendizagem I

Aspectos do futebol podem ser treinados nas mais variadas atividades
As quatro crianças estavam no campinho. Era dia de aula de futebol. Mas, nestes dias, elas sempre chegavam bem mais cedo que a hora marcada, pois, enquanto os demais alunos e o professor não chegavam, eles se refestelavam com a bola nos pés.
Neste momento jogavam o Menino e o Garoto contra o Guri e o Moleque. Já era a quarta partida que eles estavam disputando e o Menino, como de costume, era o único que ganhara as três anteriores. Sendo que cada uma jogou com um parceiro diferente.
Nesta quarta rodada, o jogo não estava fácil. O Guri e o Moleque não queriam perder de jeito nenhum. Tanto é que o Guri em um de seus chutes havia conseguido acertar o travessão, o que rendeu no rebote a conversão do gol, computando cinco pontos para a dupla marota. Já o Moleque em dois de seus chutes, direcionados ao Garoto - eles achavam que chutar no Menino não era vantajoso, pois ele também era o melhor goleiro -, houve rebote e, novamente, em ambas marcaram gols que ampliaram em mais quatro pontos o saldo de gols da dupla.
Chegada a vez da troca e perdendo o jogo por nove a zero, o Menino e o Garoto se reuniram e combinaram que deveriam mirar os chutes na trave ou, então, direcioná-los para que a bola quicasse à frente dos goleiros, facilitando um possível rebote.
        
Contudo, o Guri e o Moleque, experientes como eram no jogo, sabiam da sua lógica. Assim que o Garoto desferiu o seu primeiro chute, na verdade um petardo que quicou na frente do Moleque, este, não titubeou, fingiu defender, mas deixou, propositadamente, a bola entrar.
        
Apesar do belo e certeiro chute, o Garoto nem comemorou, pois sabia que este não fora nem um pouco eficiente para reverter o resultado. Então, nos seus dois chutes restantes, teria de acertar o travessão, pois se continuasse a chutar da mesma forma os goleiros deixariam a bola entrar, convertendo apenas um ponto para cada gol. Porém, apesar de ter atingido o seu intento em um deles, na disputa pelo rebote os dois goleiros recuperaram a bola.
Agora era a vez do Menino. Faltavam apenas os seus três chutes e o placar do jogo marcava nove a um para os adversários. O Menino sabia que o Guri e o Moleque abandonariam o gol para defender apenas as traves, logo os seus chutes teriam que ser extremamente precisos para acertar não só o travessão, como, se possível, a forquilha (ângulo), pois renderia um rebote valendo dez pontos.
        
E foi exatamente isto que o Menino fez. Nos dois primeiros chutes a bola triscou o ângulo, mas no terceiro, mesmo com o Moleque se esticando todo, não foi possível evitar que a bola batesse na forquilha e voltasse nos pés do Menino.
        
Com a bola nos pés, o Menino a segurou, esperando que um dos dois goleiros abandonasse o gol para o duelo com a bola nos pés. O Garoto, por sua vez, já abriu para receber a bola, dificultando, ou melhor, acabando com a tentativa de marcação por zona que o Guri fazia ao cerca o menino.
        
Desse modo, foi fácil o menino encontrar uma brecha para invadir a pequena área e marcar o gol na saída desesperada do moleque para fechar o ângulo.
        
Como o gol valerá dez pontos, o Menino e o Garoto acabaram por ganhar o jogo pelo placar de onze a nove.
Entretanto, mal deu tempo deles comemorarem e chegou o Professor Espertão, que foi logo dizendo com sua alta e brada voz de comando:
        
"Vamos parando com esta brincadeira. Agora é hora de treino. Coisa séria. Principalmente depois da vergonha que vocês me fizeram passar no final de semana, perdendo o jogo para aquele timinho de pernas de pau. Nem venham querer pedir para ter jogo no final da aula. Hoje só treinaremos fundamentos. Preciso corrigir o chute de vocês, pois se não corrigir enquanto pequeno, depois de grande é que não tem jeito..."
        
E assim, lá foram os quatro (fervendo) se juntar ao demais, para o início do aquecimento.
        
Na seqüência, o professor Espertão colocou todos os meninos em fila, posicionou três cones à frente e começou a gritar para que os meninos driblassem os cones e finalizassem no gol.
        
Como tinha apenas uma grande fila, o Menino e sua turma, chutava uma vez, e esperava no mínimo sete minutos na fila, até que todos chutassem, buscassem a bola e voltassem ao final da fila, para que esta andasse.
        
Assim aconteceu no transcorrer de todo os 60 minutos da aula (que custava trinta reais mensais aos pais).
        
No final da aula o professor Espertão, chamou o Menino de lado e lhe disse:
        
"Olha aqui Menino, você sabe que eu tenho influência nos grandes clubes. Todos sabem que sou muito bom para formar meninos, descobrir talentos natos. Fui eu quem descobriu o Dólar e o Franco. Se você me escutar, posso te arranjar um teste no Esperança FC. Quem não sonha em jogar no Esperança? Mas você precisa se dedicar mais aos treinamentos. Você precisa melhorar sua pontaria. Pára de preguiça e treina com mais vontade. Parece que não quer ser jogador. Pensa que é fácil ser jogado der futebol? Exige muita repetição."
          
Questão da História: Bem, caro leitor, se a coluna se intitula "Ambientes de aprendizagem", em quais dos dois ambientes a aprendizagem foi facilitada? Em qual dos dois ambientes os jogadores aprendiam a chutar de acordo com as exigências (contexto) do jogo? Dos dois ambientes, em qual deles se tinha que pensar para executar o movimento? Qual dos dois ambientes era mais propício (facilitador) para a formação do jogador inteligente? Poderia continuar a tecer um rosário de perguntas, mas farei isto nos próximos eventuais jogos do Menino e sua turma.Para interagir com o autor: alcides@universidadedofutebol.com.br.
Ambientes de aprendizagem II
Comparação entre cenários mostra como o esporte pode não ser um bem para a prática pedagógica
"Onde está a sabedoria
 que perdemos no conhecimento?
Onde está o conhecimento
que perdemos na informação?
T. S. Eliot
Cena 1 - da vida do futebol como ele é
O Menino e sua turma se preparam para mais uma pelada de rua, com golzinhos feitos de pedaços de tijolos quebrados, "emprestados" de uma construção da rua de cima.
"O Menino e o Pivete, que são os melhores, escolhem", diz apressado o Guri, enquanto o Moleque e o Gajo, filho do seo Portuga, trocam passes, fazendo o Bambino de bobo.
"Não! Eu escolho e vou ser o capitão. Eu sou o dono da bola, ora", reivindica, esnobemente, como sempre, o Petiz.
"Tá Bom, Petiz. Mas escolhe logo", decide o Menino, com sua peculiar autoridade e, ao mesmo tempo, sensibilidade.
"Par", grita o Petiz.
 "Impar", rebate o Pivete.
"Já", ecoa uníssono, ao mesmo tempo em que se lançam os dedos do Pivete e do Petiz, mostrando quantidades diferentes.
"Impar, par, impar, par, impar". O Pivete rapidamente resolve o problema matemático.
 "Ganhei. Escolho o Menino."
"Eu quero o Piralho".
E assim se desenrola todo o processo de escolha, ficando assim escalados os times: Pivete, Menino, Garoto, Moleque e o Guri; Petiz, Piralho, Bambino, Gajo e Kid.
Inicia-se o jogo e logo no primeiro lance o Menino pega a bola, faz uma tabela com o Garoto, que deixa o coitado do Kid perdido, dribla o Moleque e antes que o Piralho venha para a trombada, com um bico sutil, faz a bola passar entre os tijolos.
Mais cinco minutos de jogo e o time do Menino já está ganhando por 4 a 0.
"Peraí, assim não tem graça. Vamos mudar os times. O Petiz é cabeçudo, não sabe escolher", adverte o Piralho, colocando as mãos na cintura.
Imediatamente o jogo pára. Sem ninguém reclamar. Agora o Menino e o Pivete começam a escolher.
Mas, antes de começar a nova escolha, o Piralho lança um desafio.
"Vocês topam: eu, o Menino e o Pivete contra a rapa?"
Sem pestanejar os meninos aceitam o desafio e se põem a jogar. Agora o jogo está equilibrado. O Menino tem dificuldade para passar por dois marcadores, precisa usar de toda a sua habilidade para continuar se mantendo no topo, ostentando o título de melhor jogador da rua. O Pivete não consegue se desmarcar com facilidade do Kid e do Bambino para se posicionar bem e receber o passe. Isso se repete com o Piralho, que mesmo sendo o terceiro melhor jogador - perdendo apenas para o Menino e o Pivete -, encontra no Guri um marcador implacável, que exige dele muita esperteza para se antecipar nas jogadas.
Depois de mais de uma hora de jogo intenso, as crianças voltam ao mundo real, quando escutam a mãe do Petiz, que da janela do único sobrado da rua, grita:
"Petiz!!! Venha tomar banho, senão você vai perder sua aula de francês".
Regressos do mundo do jogo, as crianças estão sentadas na sarjeta, rememorando os feitos do jogo, passando a limpo cada jogada bonita e gol espetacular.
O Menino começa a explicar como conseguiu dar um chapéu no Guri e uma "gaia" no Bambino. Já o Moleque se vangloria ao descrever como impediu sozinho que o Pivete o Piralho fizessem o gol de desempate no minuto final. E assim todos narravam os seus feitos, fazendo um balanço da pelada, procurando compreender cada fazer realizado na pelada.
O jogo, depois que o Petiz teve de ir embora, levando a bola consigo, foi interrompido com o placar marcando um empate por 6 a 6.
Cena 2 - do teatro da vida do futebol
O campo está em ebulição. Pais na arquibancada ansiosos por ver seus filhos, futuros craques - a $alvação da família -, entrarem em campo.
No vestiário o Professor Espertão está, em alto brado, fazendo sua preleção motivacional:
"Vocês precisam dar o máximo hoje. O seo Aliciador está lá em cima na arquibancada. Vocês sabem que sou muito amigo do seo Ali, e isto facilita muito para vocês conseguirem que ele leve algum de vocês para o Esperança. Mas se vocês não jogarem, não tem jeito. Não dá para fazer milagre. Por isso, não quero nada de firula. O jogo é sério. É de vida ou morte. Espero que vocês não amarelem e que provem que são homens. No meu time não joga boiola. Não quero saber de brincadeira lá atrás, se tiver que dar no meio não vacilem, o importante é não deixar que o atacante passe. Cheguem junto, pois quem pipocar eu tiro na hora."
O time do professor Espertão entra em campo com: Bola, Kid, Gajo, Bambino e Petiz atrás. No meio jogam: Garoto, Guri e Moleque. Na frente: Piralho, Menino e Pivete.
Nem bem começa o jogo e o time do professor Espertão já está ganhando o jogo por 3 a 0. A torcida, mesmo com o placar alto, não sossega. Os pais gritam desesperadamente para que seus filhos marquem mais gols. Alguns até utilizam de palavras de baixo calão para "motivar" seus filhos. O mesmo faz o professor Espertão, mesmo quando o placar já marcava 5 a 0, ao escrachar e humilhar o Guri, quando esse, ao tentar dar um drible no ataque, perde a bola.
E essa situação se arrasta no transcorrer de toda a partida. É pai gritando... É professor Espertão xingando... É Seo Aliciador anotando...
Já chegando ao seu término, o time do professor Espertão está ganhando o jogo por 18 a 0. Ele ainda não fez nenhuma substituição, e ainda tem fôlego para gritar na orelha do Gajo, desqualificando-o da possibilidade dele ser um ser racional.
Fim da partida: 22 a 0 para o time do professor Espertão.
Alguns pais quase brigam com os pais do time adversário ao se empolgarem na comemoração. O professor Espertão vai para cima do árbitro, inquirindo-o pelo motivo de ele não ter marcado um pênalti claro a favor de seu time.
As crianças no campo só observam, com os olhos arregalados. O Menino percebe que tem alguma coisa errada, mas ainda não tem condição de saber o que é. Só tem certeza de uma coisa: não está nenhum pouco feliz. Não tem vontade nem de contar como fez os vários gols fáceis que marcou durante o jogo.
Questão da história
Mais uma vez: em qual das duas cenas as crianças estavam envoltas em um ambiente de aprendizagem? Por que e como se pode fazer uma distinção pedagógica entre uma cena e outra? Qual das duas cenas é mais comum hoje em dia? Quais das duas cenas poderiam formam um jogador diferenciado, mais inteligente? Bem, poderia continuar a levantar questões, mas essas serão suficientes para abastecer a próxima coluna, que trará uma explicação científica desse fenômeno sócio-cultural que estamos vivendo. Ou seja, à luz de um novo paradigma que se emerge.

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Ambientes de aprendizagem 3
Uma discussão sobre a moralidade na prática do futebol
Depois de alguns pequenos incidentes a barra pesou para Hugo e sua turma. "Pô! Gordinho, só porque o Escrotinho quebrou o vidro da Dona Maria, o Timba afundou o portão do "Seo" Antonio, o Vitinho amassou a porta do fusca do namorado da Melissa, eu quebrei o vaso da Dona Esmeralda, o João Pedro acertou a Dona Clotilde com uma bolada, o Beto quebrou o dedo chutando a sarjeta, o Ronaldinho quebrou o braço e o Léo quase foi atropelado, que ninguém mais quer deixar a gente jogar bola aqui na rua. Teve até aquela reunião na casa da Dona Esmeralda."
- É Hugo, a galera anda furiosa com a gente, a nossa moral esta lá embaixo.
- E eu estou com a maior vontade de bater uma bolinha aqui na rua. Que saudade dos nossos joguinhos  - comentou tristemente Léo.
         
A rua onde morava a turma do Hugo, era palco de muitos jogos, peladas, e decisões. O futebol 'comia solto lá'! Eles usavam tijolos no lugar das traves, e para que ficassem sempre iguais, todas as vezes eram os pés do Vitinho que determinavam o seu tamanho exato. Quatro pés para golzinho e doze quando o jogo tinha goleiro.
         
Sempre os que estavam jogando melhor é que escolhiam os times, tirando par ou ímpar. Atualmente, eram Hugo e Timba. Sendo que, quem ganhava no sorteio escolhia sempre o João Pedro, pois ele era o dono da bola e isto significava que seu time começaria o jogo com ela.
O Beto, às vezes, jogava no gol, mas o goleirão da rua era o Léo. Na defesa o craque era o Escrotinho, no ataque, a artilharia era dividida entre o Hugo e o Timba. Depois de dividida as equipes, o jogo começava sem a necessidade de se reler as 17 regras criadas por eles num sábado à tarde, pois todos as sabiam de cor:
Regra I - Não é preciso ter juiz, nem bandeirinhas (pois não vale roubar);
Regra II - Não vale dar pontapé por querer (sem querer tudo bem);
Regra III - Só vale gol alto até a altura que o goleiro alcançar;
Regra IV - Um time joga com camisa e outro sem;
Regra V - Vira cinco, acaba dez (ou quando a mãe de mais de 3 jogadores chamar);
Regra VI - Se a bola passar por cima do tijolo não é gol;
Regra VII - A bola subiu em cima da calçada é fora;
Regra VIII - Vale fazer tabela com a sarjeta;
Regra IX - Está valendo dar bicudo;
Regra X - Pode trocar o goleiro quantas vezes o time desejar;
Regra XI - Escanteio se cobra com os pés, podendo colocar uma pedrinha para fazer a bola parar;
Regra XII - Quem chutar a bola na casa de algum vizinho vai apanhá-la;
Regra XIII - Se alguém acertar um chute na janela e quebrar algum vidro, todo mundo sai correndo, só que quem chutou, deve pegar a bola primeiro, para depois correr;
Regra XIV - Gente grande não pode jogar (salvo convite especial);
Regra XV - Se vier um carro é tempo técnico;
Regra XVI - Bicicleta, o jogo continua;
Regra XVII - Quando estiver passando alguém pela calçada, o jogo só pára se este alguém for a Dona Sebastiana (porque ela já está muito velhinha para receber mais boladas).
Contudo, às vezes, quando a partida está no auge, regra XVII geralmente é esquecida. E foi exatamente isto que aconteceu da última vez. O time do Vitinho estava perdendo, o sol estava acabando, e no desespero a curva do chute saiu pela culatra e catapimba, Dona Sebastiana foi a nocaute.
Depois deste dia a rua vive o seu merecido descanso. Porque numa reunião ficou decidido, por meio de uma liminar impetrada junto ao Tribunal Superior de Pais, que os jogos seriam suspensos, até o Hugo e sua turma conseguir o dinheiro para consertar todos os estragos causados pelos jogos. Ihhh! Isso vai demorar...
Questão da história: esta coluna ficcional foi inspirada no conto "Futebol de Rua" do escritor Luis Fernando Veríssimo, e nos servirá de base para a discussão sobre moralidade, destacando um ponto fundamental, que pode ser resumido na indagação: Onde está o juiz numa pelada? Se o juiz não vir o erro está valendo? Numa pelada vale continuar o jogo após a infração? Estas são algumas indagações que serão teorizadas na próxima semana. Entretanto, gostaria de ressaltar o fato de que este conto pode propiciar profícuas discussões nas aulas de Educação Física escolar, quando o professor estiver desenvolvendo o conteúdo futebol nas suas dimensões conceituais, atitudinais e procedimentais.
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Ambientes de aprendizagem IV

Competências e habilidades que são exigidas, estimuladas e aperfeiçoadas no esporte

- É gol!!! Golaço...
         
Chovia muito no campinho. Mas a chuva só aumentava o ânimo de um grupo de menino que corriam atrás da bola, já surrada de tantos gols e dribles.
         
Metade deles estava a comemorar o gol pulando em cima do artilheiro, a outra metade estava a reclamar do Tozóide.
         
- Pô!! Tozóide esta bola até minha vó defendia... que frango - dizia Decão com veemência.
         
- Ceis dexaro o Dito fazê a festa aqui, despois ceis qué que'u faça milagre - retrucava Tozóide, querendo dar uma explicação racional para o gol espírita feito por Ditinho.
         
Tozóide era filho do Seu Cícero, um nordestino que veio tentar a sorte em São Paulo, acreditando no sonho de poder ter uma vida melhor. Seu sonho o trouxe para o interior paulista, mas precisamente em Campinas, um dos maiores centros industriais do interior do estado.
         
Contudo, voltando a falar de Tozóide, apesar da vontade e da paixão, ele não tinha lá grande talentos com a bola nos pés, por isso era sempre escalado para o gol, o que passou a aceitar normalmente, principalmente depois que o Franjinha, o mais criativo "apelidador" da escola, o batizou com este tão significativo codinome.
         
Numa das aulas de Educação Física estava rolando o maior racha entre a turma do Ditinho e a do Decão, os líderes das duas ruas vizinhas à escola. De repente Ditinho dispara um chute certeiro, mas na hora "h" um menino magérrimo e portador de um encéfalo avantajado espalma a bola, desviando-a para escanteio. Em meio a grito elogiosos, Franjinha dispara mais um certeiro apelido: esparma tozóide!!!!
         
Por comunhão com o conteúdo que eles estavam aprendendo em Ciências - o corpo humano - mais a remota semelhança do menino com o composto principal do sêmen masculino, era rebatizado naquele momento mais um brasileiro, Tozóide, o goleiro alagoano do time do Decão.
         
Com o passar das peladas Tozóide, foi aprendendo a impedir os gols. Fã do goleiro Taffarel, jogava sempre com uma camisa amarela e um par de luvas de frio - era o mais próximo que a condições financeiras permitiam.

Depois da monumental defesa que o consagrou com o tão significativo apelido, passou a ser o goleiro titular, no lugar do Mão de Onça, no time do Decão.
         
Decão era um líder nato, com sua voz forte aliada a um corpo grande, influenciava um grupo de alunos da classe da Dona Yolanda. E, como todos os meninos, tinha uma mania: jogar futebol. O pai, Seu Atalício como um bom bugrino que era, enchia-se de orgulho ao ver o filho desfilando com a camisa do Guarani autografada pelo Neto, e sempre que podia levava-o ao Brinco de Ouro, ver o Bugre campineiro dar show.
        
Líder da sua rua, Decão comandava o time, escalando os jogadores, muitas vezes por imposição e punição, ou seja, só era titular em seu time quem o respeitasse e obedecesse, além de se sujeitar a outros encargos escravagistas, como engraxar suas chuteiras, comprar bala no bar do Seu Jucão, etc... O seu time, que se chamava Curumins, uma alusão ao indinho símbolo do Guarani, tinha até uniforme - verde e branco, obviamente -, carteirinha de sócio, torcida organizada "Os Guerreiros da Vila", e um campo.
        
O campo era em frente a sua casa, que ficava numa baixada próxima à escola e foi batizado por Decão de "Bijouteria Dourada". Este campinho só tinha um pouco de grama nas laterais, o meio era de terra e, as traves, de madeira, foram pintadas de branco num mutirão organizado pelos Guerreiros da Vila, na véspera do derbi do mês de agosto contra o time da rua de cima, comandado pelo prodigioso Ditinho. 
        
Ditinho era o caçula de Seu Barbosa e Dona Zininha, tinha doze anos, completos há poucos dias, quando, na ocasião, ganhou sua primeira chuteira. Era líder do seu time, respeitado muito mais devido ao seu exemplo e empenho do que por imposições autoritárias.
Seu Barbosa era um homem muito bom, trabalhador braçal, batalhava muito, apesar da idade já avançada, para sustentar a casa. Dos outros quatro irmãos, três já se casaram e o outro, Tião, parou de estudar para ajudar seu pai na lida da roça da cana.

Dona Zininha, mulher marcada por uma vida sofrida, cuidava da casa e dos filhos. Nunca perdeu a hora de levantar, acordando sempre com o galo, preparava o café para depois acordar o marido - pelo qual tem muito respeito -, e o filho - pelo qual tem muita pena -, para pegarem o caminho do serviço.
        
Apesar do trabalho forçado e da vida sofrida, Seu Barbosa tinha um orgulho que não escondia de ninguém, uma foto que o mostrava participando do multirão de construção do Estádio Moisés Lucarelli, campo oficial de seu time do coração, a velha Ponte Preta.
        
Pela influência marcante de Seu Barbosa, Ditinho era Pontepretano de carteirinha. Seu time era conhecido no bairro como Pinguela Preta, em homenagem óbvia ao time da Ponte Preta e, também, porque para se entrar no seu campo, o Imponente, era preciso atravessar uma pequena pinguela pintada de preto.
        
O Imponente, um campinho de terra, estendia-se ao lado da casa de Ditinho, era menor que o Bijuteria Dourada e um pouco penso, tinha as traves feitas de bambu, mas dava muita sorte ao Pinguela Preta, pois, esse já não perdia um derbi em sua casa há um ano.
        
Derbi era o nome do jogo entre o Pinguela Preta e os Curumins. Todo o primeiro domingo do mês este duelo acontecia, ora no Imponente, ora no Bijuteria Dourada. Este duelo não chamava muito a atenção dos grandes no bairro, mas no meio dos pequenos era história para duas semanas, uma de expectativa e outra de comentários. No mundo mágico das crianças muitas fantasias eram criadas em volta deste acontecimento, muita criatividade era extravasada para a reconstituição, mesmo que imaginária, dos derbis profissionais que eles assistiam.
        
A ressignificação do futebol lhes concedia o poder advindo da satisfação de um desejo, inflamado por uma paixão avassaladora pelo futebol. Logo, eram sujeitos de seu tempo, aprendizes autônomos, em um ambientes que não lhes permitiam ser objetos (marionetes) nas mãos de adultos espertões.
QUESTÃO DA HISTÓRIA: Quantos conhecimentos estão envolvidos na descrição deste ambiente de jogo? Por exemplo, relativas às características de liderança? Ou então, quantas competências e habilidades não foram exigidas, estimuladas e aperfeiçoadas? Infelizmente, muitos adultos (pais, professores, espertões, aliciadores...) impedem que as crianças continuem sendo crianças. Cada vez menos crianças vão à Fantasia. O Nada está consumindo tudo, já nos advertia Michel Ende, em sua magistral obra "A história sem fim".Para interagir com o autor: alcides@universidadedofutebol.com.br

Ambientes de aprendizagem V

Duas histórias e uma reflexão sobre a aprendizagem no futebol

Cena 1 - um dia de futebol
"Inacreditável o que está acontecendo esta noite no Maracanã! Há muito nesse templo sagrado não se vê um espetáculo como este. O time do Esperança está fazendo miséria com o adversário. Ninguém consegue segurar as investidas do Menino, que parece estar brincando em campo. Vejam, ele jogou a bola por baixo das pernas do Encrenca, está cara a cara com o Mão de Onça, vai marcar o gol do título..."
"Acorda, filho!! Filho, você vai perder a hora da escola!".
Menino acorda meio abobalhado; estava quase chutando a bola para o fundo das redes do Maracanã. Mas, quando percebe que era apenas um sonho, um sorriso maroto acorda em seu rosto. Ainda era apenas um sonho.
Logo após o rápido café da manhã, sai para rua, rumo à sétima série do colégio municipal "Álvares de Azevedo". Mas no caminho, tudo que é passível de ser chutado vira bola. É pedrinha indo morrer no interior do bueiro; é tampinha ganhando efeitos giratórios no ar depois de um chute de trivela; é latinha de refrigerante ir parar dentro da lata de lixo impulsionada por uma cavadinha perfeita.
O Menino se apressa porque sabe que o Petiz sempre leva a bola na escola e, antes de a aula começar, rola uma peladinha rápida.
Quando começa a aula, a Dona Yolanda, muito esperta, sabendo da paixão que os meninos têm pelo futebol, propõe-lhes um projeto sobre o time do coração de todos na cidade: o Esperança Futebol Clube.
Para isso ela disponibiliza alguns materiais e os organiza na sala de computadores da escola, para que possam pesquisar na internet.
No plano de trabalho elaborado para o dia, todos têm tarefas a cumprir, as quais serão apresentadas no final da aula para os demais grupos (que estão realizando outros projetos).
O Menino fica responsável por escrever um texto sobre os craques que já passaram pelo clube. Ele se empolga lendo as biografias sobre seus ídolos do presente e os demais jogadores que seu pai sempre falou.
No intervalo, rola mais uma pelada, pois ninguém é de ferro.
Depois da apresentação de seu grupo, muitíssimo elogiada pela professora, que conseguiu mostrar-lhes o quanto é possível aprender com e pelo futebol, o Menino volta para casa correndo, almoça voando, escova os dentes a jato e dispara como uma bala para rua.
Já estava marcado o jogo da tarde desde o dia anterior, quando a chuva, ou melhor, as mães deram por encerrado o jogo antes do tempo regulamentar (que era para durar um tarde toda).
Antes da peladona oficial, acontecem alguns jogos de rebatida, algumas disputas de controle, alguns desafios de acertar a trave e o travessão.
O jogo dura a tarde toda. A bola sai até esfolada de tantos dribles, fintas, gols...
O Menino volta para casa. Toma banho e, antes do jantar, liga seu videogame para continuar as humilhadas no computador. Há tempos ele não perde uma partida no Fifa Soccer.
Depois do jantar, junto com o pai, o Menino assiste pela televisão a mais uma partida do Esperança Futebol Clube, que por sinal goleia o Esporte Clube Expectativa. 
Após o apito final, vai para a cama, e logo no primeiro tempo do sono, lá está o Menino driblando o Encrenca e chutando a bola para o fundo das redes do goleiro Mão de Onça.
O locutor Serra Afiada vai à loucura, narrando o golaço do Menino e questionando o comentarista Cabananã se ele já havia visto gol mais fantástico.
No rosto do Menino, a satisfação expressa novamente pelo sorriso maroto de uma criança feliz.
Cena 2 - Um dia no futebol
Depois de um dia e uma noite toda viajando, o jovem Beleco, que cursava a sétima série do colégio "Frederico Céline", chega ao alojamento do estádio do Esporte Clube Expectativa. Seu Aliciador o descobriu jogando no Confins do Sul, um time pequeno, quase inexpressivo, localizado no estado das Terras Extremadas.
Logo na chegada Seo Ali já dita as regras ao sulista:
"Veja bem, moleque. Você é minha aposentadoria. Boto todas as minhas fichas em você. Agora é hora de deixar de ser criança e virar homem. Chega de brincadeira. Aqui você vai treinar muito. Sua meta deve ser uma só: virar jogador de futebol custe o que custar. Não se preocupe com nada mais, entendeu? Ah! Estava me esquecendo: agora você será chamado apenas por Afonso Capeli. Chega de apelidinho de interior. Já estou correndo atrás dos documentos para pedir a sua dupla cidadania. Isso vai facilitar muito numa possível negociação com algum clube europeu. Já estou vendo os euros... Falei para o seu pai que ele poderia confiar em mim e assinar aqueles papéis sem medo".
Antes de seu primeiro treino, o jovem Beleco vê o seu Ali conversando efusivamente com o professor Espertão. Ele acabara de ganhar sua chance como treinador no sub-13 do Expectativa, ajudado pela influência de seu Ali junto à diretoria, quando conseguiu derrubar o treinador Maquiavel após ele não ter escalado um de seus jogadores.
O treino começa com dez voltas ao redor do campo. Na seqüência o professor Espertão pede aos jogadores para formar duplas e começa uma incansável bateria de treinos técnicos a base de exaustivas repetições de movimentos, sempre motivadas pelos berros escatológicos do treinador.
Ao cabo de duas horas o treino acabou.
Beleco, ou melhor, Afonso, mesmo exausto, inocentemente pergunta ao treinador se eles não iriam jogar futebol.
O pobre garoto nunca foi tão humilhado na vida. Usado como bode expiatório pelo treinador para mostrar sua autoridade perante o grupo, ouviu o seguinte: "Com esta idade, se vocês não desenvolverem a técnica, nunca serão jogadores. Pensa que ser jogador é para qualquer um? É preciso muita dedicação, muito sofrimento. Vocês vão repetir este treino a semana toda, até eu sentir que vocês estão preparados para jogar. Quero ver empenho, dedicação. Aqui não é local para criança, e muito menos para brincadeiras".
Depois do almoço, Afonso vai para a escola, e lá passa a tarde se esforçando para ficar acordado. A aula de português é sobre oração adverbial causal. Na de matemática a professora está cobrando dos alunos a lista de exercícios sobre as equações do 2º grau.
Já as últimas aulas são de educação física. Como sempre o professor libera a bola para os alunos jogarem futebol. Contudo, para sua surpresa, ele está impedido de jogar. É informado pelo professor que o clube já havia firmado um acordo com a escola, dizendo que os atletas do clube Expectativa estavam dispensados das aulas de educação física, pois já treinavam todos os dias, além do risco de se machucarem nas aulas.
Após o jantar, Afonso fica sabendo também que no alojamento existem outras regras rígidas, algumas claras (oficiais) e outras veladas (para ser cumpridas se quiser sobreviver no inóspito ambiente).
Como não existe televisão, muito menos qualquer outro tipo de entretenimento, acrescido de seu enorme cansaço, Afonso dorme cedo.
Entretanto, mal começa a sonhar, acorda assustado, pois uma bola enorme estava correndo atrás dele, tentando comê-lo, enquanto o seu Ali e o professor Espertão, em meio à gargalhadas, contam euros.

Para interagir com o autor: alcides@universidadedofutebol.com.br
FONTE: UNIVERSIDADE DO FUTEBOL



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